Desconhecia que 9 meses depois, 15/07/1981, se tornaria numa menina-MÃE dum rapagão com mais de 4 kilos pelas 20h25.
No dia em que nasceste meu menino, fiquei no Hospital (junto ao Campo de São Francisco) pelas 15 horas, sozinha.
Tinha já 19 anos mas todos achavam que teria 16 (menina de ar ingénuo), numa maternidade com 30 camas, 15 de um lado, 15 do outro, 29 mulheres a olharem para mim.
As mães que já tinham parido tinham a seu lado um suporte e um cesto de vimes (berço) com os seus rebentos, ora dormindo, ora chorando.
A minha cama era a número 17, a segunda à esquerda para quem entrava na maternidade, a meu lado tinha uma mãe que tinha perdido o seu bébé a meio da gestação, permanecia calada, triste, olhava a parede como que a perguntar porquê?! porque perdi o meu menino se o amava tanto? não conseguia enfrentar os olhares das outras mães que cuidavam dos seus rebentos.
Da porta dos fundos vinham gritos compassados, a cada nova série de gritos eu ficava apavorada, a "minha" vizinha" informou-me que aquela mulher que gritava, já lá estava há mais de duas horas, fiquei aterrorizada!
Olhei a minha barriga e pensei: como vais sair daqui de dentro meu amor? ( o médico havia-me avisado que era um bébé grande). Tinha 40 kilos quando engravidei e 56 na pesagem da última consulta. O médico que me seguiu e que previra a teu nascimento para o dia 15 ( e assim foi) encontrava-se de férias no Brasil desde o dia 13. Assim fiquei sem médico assistente.
Não se faziam ecografias. Não sabíamos se eras uma rapaz ou uma rapariga. Mas eu, que a primeira peça de roupa que tricotei foi um casaquinho cor-de-rosa, passei toda a gravidez a sonhar que ia ter uma rapaz. Nos meus sonhos eras já um rapagão com 3 ou seis meses, careca como os 3 sobrinhos que já haviam nascido antes de ti (duas meninas e um menino do meu lado)
Quando as outras mulheres repararam que eu de vez enquanto ficava "vermelha que nem um tomate" e que contorcia o rosto com um esgar de dor (nem um ai) gritaram do outro lado :
- " Eh, querida, está na hora, leva o saco com a roupinha do bébé e vai lá para dentro".
"Lá para dentro" era de onde vinham os gritos... e eu cheia de medo lá fui, quando vou abrir a porta sem saber o que me esperava do outro lado, rodo a maçaneta da porta e oiço um grito, fechei a porta e fiquei paralisada. Atrás de mim vinha uma enfermeira que se riu às gargalhadas: " Olha esta cheia de medo!"
Filho, não foi fácil enfrentar estas horas só contigo por companhia e ainda dentro de mim.
Entrei pelo braço da "tal" enfermeira que se ria e ria...
Troquei de roupa como me mandou e lá fiquei numa cama que me destinaram: obediente.
Lá ia ouvindo os gritos da outra mulher...
Tive tanta sede meu amor, doía-me o fundo das costas, tantas vezes percorri o caminho entre a "minha" cama e a casa de banho para beber água e para borrifar o rosto ardente sempre que vinham as dores - sem nunca me queixar.
Tive vontade de fazer força, a minha barriga contorcia-se sozinha, avisei duas enfermeiras que conversavam animadamente do lado de fora da porta ...
- "Não faças força, querida, senão quando chegar "a hora" já não vais ter força"!
Hoje, meu amor, sei que "aquela era a hora" e sem um ai, nem um queixume lá me aguentei, contrariando a força da natureza que se contorcia para te enviar para o meu colo.
Comecei a ficar cansada, sonolenta, com muita vontade de deixar ali, naquela cama, a barrigona que te abrigava, e ir-me embora, estar com alguém que me desse um abraço uma palavra de alento e depois... voltar para te abraçar.
Quase dormitava pois as dores haviam acalmado, quando, num grande alvoroço, entra, naquele quarto onde me encontrava sozinha e abandonada, uma cama guinchando, carregando uma mãe ofegante, respirando à cãozinho, era enfermeira, vinha acompanhada do marido, do médico e de 3 ou 4 colegas de profissão... eu, quase em pânico, queria sair dali, pedi para sair dali, não queria ver o parto de outra pessoa, nem queria ver o meu... quanto mais...
Entre as risotas das enfermeiras, o médico, o Dr. Carlos Melo, sensato, mandou colocar um biombo entre a "minha" cama e a marquesa dos partos.
Foram momentos confusos para mim, tão cheia de medo como estava... e foi assim que nasceu o Tiago ( que mais tarde jogou ténis contigo em Lisboa).
Eras para ser mais velho do que ele mas como ninguém prestou atenção à menina que foi "largada" sozinha no Hospital, nem marido, nem mãe, nem irmã, nem sogra, nem amiga... (o teu pai foi para casa esperar... tinham-lhe dito que seria lá para a meia-noite, não avisou a minha família de que me tinha deixado no Hospital).
Quando o médico terminou de suturar a "Senhora Enfermeira-mãe do Tiago", retiraram o biombo, e eu, a medo, disse-lhe que tinha muitas dores no "rabo" que parecia que o meu bébé queria sair pela "porta" errada.
O médico vendo-me ali assustada, acedeu a observar-me, gritou para a parteira de serviço: "ela já está com 6 dedos de dilatação e já se vê a cabeça"!
Filho, foi tal o reboliço naquele quarto:
- o médico regressou ao seu consultório para terminar as consultas do dia;
- alguém colocou-me um balão de soro, mas a agulha não ficou bem colocada e acabou tudo derramado no chão;
- alguém agarrou numa lâmina para me depilar enquanto me mudavam da cama para a marquesa;
- loucura instalada!
Mandavam-me fazer força quando tivesse uma dor, eu fazia força mas não tinha dores, nem me lembro de as ter, A parteira teimava em me chamar de Natália e de dizer que eu tinha idade era para brincar às bonecas e não ter um filho...
Nasceste!
... colocaram-te em cima de mim, não me lembro se choraste logo ou não, estava atordoada...
surpreendi-me por teres cabelo, estavas coberto de uma "pasta" esbranquiçada e ensanguentada e tinhas uma grande "ovo" na parte de trás da cabeça, tive medo que ficasses sempre assim mas eras o meu amado e desejado bébé.
Depois explicaram-me que aquele mamelão se devia a teres ficado "preso" naquela mudança da cama para a marquesa (soubesse eu o que sei hoje, teria feito força quando tive vontade e tu, meu amor, terias nascido mais cedo, sem aquele feio mamelão que fez com que o teu pai quando te viu perguntasse à enfermeira se tinha a certeza que aquele era o "seu" filho").
Rasguei tanto que a parteira mandou chamar o médico para me suturar (não sei quantos pontos levei) mais do que é costumo numa cesariana disse o médico à parteira, que nessa altura já sabia que o meu nome era Paula.
Já tinha pedido tantas vezes para que ligassem para a casa dos avós Cordeiro (onde se encontrava o teu pai, estávamos a viver lá pois o teu pai, tinha-se queimado um mês antes), todos me diziam que não era possível, diziam que o normal é estar alguém da família no Hospital a acompanhar a grávida e depois passar a notícia. É bom lembrar que quando nasceste não havia telemóveis.
O médico indignou-se e ordenou que acedessem ao meu pedido que toda as mães deviam ter o direito de fazer uma chamada para a sua família. Já passavam das 22 horas quando ligaram.
A tua tia Helena "obrigou" o teu pai a ir buscá-la a casa da avó Josefina, para nos irem ver.
Ele achava melhor esperar pelo dia seguinte mas sabes como é a tia Helena :)
Já passava das 23h quando chegaram, não me viram, vieram buscar-te informando-me que te iam mostrar ao teu pai. Ele não podia entrar devido ao adiantado da hora e as outras mães e os seus bébés precisavam de sossego.
Durante a noite não conseguia mover as pernas.
A minha vizinha da cama 16(a que havia perdido o bébé) pegou em ti ao colo e abraçou-te para adormeceres depois deu-te a chucha que eu tinha levado e colocou-te no cestinho de vime forrado de tecido xadrez de vermelho e branco que colocou entre as nossas camas. Fiquei-lhe a gradecida até hoje, não sei quem era, mas confesso que tive medo, muito medo. Imaginei que ela podia pegar em ti e fugir e eu ali sem me poder mexer...
Nada como se vê nos filmes, não te puseram no meu peito, não te deram biberão, nada... chuchavas, e eu, olhava-te pelo canto do olho deitada de barriga para cima sem me conseguir mexer.
Tinha a barriga ainda inchada e sentia umas contrações (agora sei que era o útero) mas naquela noite pensei que se calhar tinha gémeos (tal como a minha mãe) e tinham deixado um dentro de mim, esquecido.
Naquela nossa primeira noite não dormi, não comi, não bebi.
Filho, não tenho fotos tuas, nem minhas, desse tempo...
Guardo no coração todas estas memórias e todo o amor e alegria que senti por teres feito de mim uma menina/mulher/MÃE.
Sempre te desejei, sempre te amei.
O facto de não teres sido planeado não diminuiu em nada o facto de seres desejado e amado.
Naquele tempo, as mulheres que casavam grávidas eram "faladas", olhadas de soslaio, este foi o fardo que carreguei, o peso do olhar reprovador de muita gente, os falatórios, o desgosto que dei a minha mãe, mas não por ti, meu querido filho.
Foste e és o fruto do meu amor!
Aqui está o primeiro fatinho que vestiste. Amo-te!
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